Wednesday, October 26, 2005

O último jogo


Aqui fica a crónica do último jogo de Miki Fehér, escrita pelo jornalista Filipe Caetano, numa altura em que ainda nada se sabia acerca do estado clinico de Fehér, em que ainda reinava a esperença de que o jogador nao perdesse a vida...
"No final, tudo deixou de ter sentido. Olhei para o relvado e vi toda a gente a gesticular, a pedir o auxílio médico. Rápido. Miguel e Tiago choravam, quem estava por perto punha as mãos na cabeça. De longe pouco se via, apenas um amontoado de gente, Camacho aos gritos porque queria ir ver o que se passava.Ninguém se continha, e aquele homem louro deitado no verde, inanimado. Agora, que escrevo estas linhas também não sei o que pensar. O leitor quererá saber sobre o jogo? Só me lembro das vezes que falei com ele, nas Antas, em Braga ou por telefone, sempre com um sorriso, sempre disposto e em português corrente. Ainda não sei o que se passou e sinto falta de Fehér. Por isso, rezo por ele. Não quero ter um Marc-Vivien Foé em Guimarães, aqui tão perto de nós. Fehér vai na ambulância, agora teremos de esperar, enquanto ouvimos as palmas de quem espera pela sua recuperação rápida.Segue-se o comentário que escrevi sobre o jogo. O Benfica venceu por 1-0, num terreno sempre difícil, mas esta noite ninguém festejará nada:
Guimarães costuma ser sinónimo de dificuldades, inferno mesmo. No passado era assim, mas nos últimos dois/três anos, aquele que era um Estádio indesejado por todos os que o visitavam tornou-se um local mais doce, como consequência do crescente défice de resultados e exibições do Vitória. Explicações há poucas, diz-se que o problema é psicológico, mas o que é facto é que o D. Afonso Henriques, mesmo modernizado, já não é um dos mais indesejados.(…) Em extremos opostos na classificação, terceiros classificados (o Benfica de cima para baixo, o Guimarães no sentido contrário), as duas equipas apresentaram poucos argumentos que servissem os mais de 13 mil adeptos que decidiram enfrentar a chuva e o frio para, pensavam eles, assistirem a um bom jogo de futebol. Desenganados, cedo o terão percebido, pois este foi mais um exemplo do tipo de espectáculos que os novos palcos não desejam receber.Muito longe dos grandes momentos do passado, estes dois «colossos» do futebol português (por que não dizê-lo assim, se o Vitória, durante tanto tempo, andou lá por cima?) penaram, deixando-se atolar na lama que foi surgindo no relvado mal tratado. O Benfica conseguiu evitar o empate nos instantes finais, o que o mantém a seis pontos do Sporting e a 11 do F.C. Porto. O V. Guimarães, por seu lado, não consegue espreitar acima da linha de água, pois continua empatado (15 pontos) com a Académica.
Intervalo retemperador
Os treinadores surgiram com apostas surpreendentes, como foram os casos de Armando no lugar de Fyssas e o de Afonso Martins ao lado de Flávio Meireles, relegando João Tomás para o banco. Os sistemas tácticos equiparam-se, o que, durante grande parte do tempo, significou a anulação mútua das principais peças. Zahovic foi tapado por Flávio, Nuno Assis por Petit; e os pontas-de-lança sentiam-se muito sozinhos: Sokota perante Cléber e Bruno Alves, Romeu na luta com Ricardo Rocha e Argel.
O resultado foi muita luta, nomeadamente durante os primeiros 45 minutos e um jogo mais aberto após o intervalo, tantas vezes retemperador de forças e ânimos. Neste caso, os jogadores não mudaram só as camisolas nos balneários, depois de terem feito tão pouco, de nunca terem entusiasmado. O Guimarães entrou melhor, explorou muito bem o lado esquerdo da defesa benfiquista, ou seja Armando, e quase marcava logo aos cinco minutos quando Ricardo Rocha desviou mal uma bola para muito perto da sua baliza. O perigo nunca foi maior do que este, com remates para longe da baliza e as poucas defesas de Palatsi e Moreira sem grande dificuldade.Surgiu, então, uma segunda parte mais animada. Logo aos49 minutos Petit testou a atenção de Palatsi num canto directo e nunca mais o Benfica deixou de procurar o golo. Tiago rematou muito, principalmente de fora da área, tal como Petit, que tentou rentabilizar as bolas paradas. Aos 63 minutos Zahovic parece ter sido derrubado por Bruno Alves, mas ficou a sensação de que terá sido um toque inadvertido, caso contrário o central teria de ter sido expulso, pois era o último defesa. O Guimarães reagia e dez minutos depois, após um cruzamento de Djurdjevic, Romeu cabeceou e obrigou Ricardo Rocha cortar a bola mesmo em cima da linha, evitando o golo.Em ritmo frenético e com mais vontade do que virtuosismo, as duas equipas tentavam evitar o empate. O Benfica conseguiu-o, já com Fernando Aguiar a fortalecer o meio-campo, deixando Zahovic fora das quatro linhas após mais um jogo pouco conseguido. No último ataque da partida, Simão vai à linha, consegue cruzar, ainda que já fora das quatro linhas, Fehér dá um primeiro toque e Fernando Aguiar desvia para o fundo da baliza. A vitória estava alcançada, justíssima».A crónica terminou aqui, quando já passou mais de meia-hora desde que Fehér abandonou o relvado naquela ambulância que tanto tempo demorou a chegar. Vejo instantes retirados pelos colegas repórteres de imagem no instante em que tudo sucedeu. Fehér estava com aqueles olhos azuis arregalados, Tiago desesperado, Anderson chorava. O jogo ficou parado vinte minutos, quando ainda faltava dois ou três para cumprir, e o árbitro Olegário Benquerença foi incapaz de continuar com algo, pois não fazia sentido. Todos os pensamentos ficaram com Fehér.

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